OIT realiza evento para promoção do trabalho decente nas oficinas de costuras de São Paulo
11/12/2018
"Gostei muito das conversas e de aprender mais como empreender, além disso, trabalhamos quase sem folga, é difícil ter um momento assim, de descontração", descreve a boliviana Aracely Tatiana Merida Urena, 35 anos.
O dia 25 de novembro foi diferente para ela e cerca de outros 130 migrantes que participaram da "Rodada Informativa", uma das etapas do projeto "Promovendo Melhoria das Condições de Trabalho e Gestão nas Oficinas de Costura do Estado de São Paulo”, parceria entre a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), o Instituto C&A, o Instituto Lojas Renner e a Zara Brasil. O encontro aconteceu na Penha, zona leste de São Paulo.
Crédito da foto: Gabi Di Bella © Forest Comunicação
A “Rodada Informativa”, realizada em parceria com o Centro Pastoral do Imigrante (CAMI), foi um evento público para um diálogo aberto com a comunidade migrante com oficinas e palestras com o objetivo promover a conscientização em relação às condições de trabalho no país, auxiliando migrantes na melhoraria das condições de vida e orientando sobre como acessar os serviços públicos.
Hoje, depois de 13 anos no Brasil, Aracely já trabalha em uma oficina própria junto com seu marido, mas esse não é o caso da também boliviana Joselina Ayana Condor, 20 anos. Ela conta que, quando veio de ônibus de La Paz em busca de uma vida melhor no Brasil, estava grávida. O filho que carrega no colo tem de idade o tempo que ela está no país: um ano.
Durante esse período o único trabalho que conseguiu foi como costureira no interior de São Paulo. “Desejo trabalhar em outra área, mas não sei quais são os caminhos para realizar isso”, diz. Foi essa busca que a levou a percorrer 21 km de Carapicuíba até a capital para participar do evento.
Ela enfrenta um dos problemas mais comuns aos estrangeiros que chegam no país, que costumam ser o desconhecimento da legislação trabalhista, dos seus direitos e deveres como cidadão e quais os caminhos para retirar documentos como CPF e o RNE (Registro Nacional do Estrangeiro), além do desafio do aprendizado da língua portuguesa.
E estas foram algumas das dúvidas que o juiz do trabalho Marcus Menezes Barberino Mendes buscou esclarecer. “Eu procuro transmitir essa ideia de pertencimento, que no fundo o mundo todo nos pertence, o mundo é nosso, e eles não estão aqui somente pelas razões deles, mas pela necessidade da própria sociedade brasileira”, explicita.
Juiz explica temas de interesse dos migrantes - Foto:Crédito da foto: Gabi Di Bella © Forest Comunicação
Temas como as exigências para a obtenção do registro de Microempreendedor Individual (MEI), como garantir direitos em caso de licença maternidade, férias, 13º, FGTS, foram abordados pelo juiz. “É preciso que eles tenham consciência que tudo isso não é dádiva, é dever do empregador. Afinal, é o trabalho humano que sustenta todas as atividades que a gente conhece, não há ser humano que não se conecte o dia todo com o trabalho dos outros seres humanos”, afirma Marcus Barberino.
O evento contou com uma maioria de mulheres – bolivianas, mas também peruanas, paraguaias e nicaraguenses, todas oriundas do setor têxtil e de confecção. Alguns homens também participaram e tiveram oportunidade de tirar dúvidas.
Há quatro anos no Brasil, o mecânico peruano Pedro Lázaro Garcia, 42, é um exemplo de quem acabou sofrendo com a falta de informação. “Quando cheguei, trabalhei como auxiliar de construção e acabei pagando para que alguém fizesse os documentos para mim, pois eu não sabia como resolver isso”, disse Pedro, que hoje tem consciência que não seria necessário pagar para uma outra pessoa tirar seus documentos. “Achei muito interessante todos os assuntos que foram debatidos”, completou.
Temáticas sobre saúde e bem-estar dos migrantes também foram tratadas. “A igualdade de gênero no trabalho e no contexto das oficinas de costura” foi um espaço de conversa com os participantes e coordenado por Soledad Requena de Spyer, do CAMI.
Isabel Torres, imigrante peruana da equipe de regularização do CAMI, coordenou a oficina sobre regularização migratória. “É importante deixar claro que todas as pessoas que vivem no Brasil têm direitos iguais conforme a Constituição”, enfatizou. Já Carla Aparecida Silva Aguilar, assistente social da CAMI, coordenou a roda sobre “Acesso a órgãos e serviços públicos”. Algumas mulheres contaram já ter sofrido discriminação no posto de saúde quando foram marcar consultas e exames. Todas foram orientadas a buscar pela assistente social do posto e reclamar a respeito.
A gerente de Programas do Instituto C&A, Luciana Campello, aponta a realização de eventos dessa natureza como fundamental para o bom andamento das relações sociais e de trabalho. “Para nós é muito importante apoiar essas iniciativas, nossa missão é tornar a indústria da moda mais justa e sustentável. A parceria com as “Rodadas” contribui muito nessa perspectiva, informando a comunidade para que tomem decisões mais conscientes”.
Para Patrícia Lima, da Organização Internacional do Trabalho, uma estratégia importante para que essas pessoas fiquem menos vulneráveis a situações de exploração e violação de direitos é torna-las conhecedoras de seus direitos, da legislação trabalhista e de toda a rede de proteção que existe no país: “Essas pessoas precisam ter conhecimento de onde buscar orientação e auxílio e onde ir para acessar as políticas públicas que necessitarem”, ressaltou Patrícia.
A nicaraguense Carolina Torai fez uma apresentação de dança típica de seu país. Houve ainda apresentação de grupo de dança típica boliviana na feira Cultural Pueblo Andino no encerramento da atividade. Além disso, durante o dia, foram realizadas atividades de recreação com as crianças filhas de imigrantes.
“Conseguimos atingir nosso objetivo neste domingo que era informar a comunidade e assim diminuir a vulnerabilidade dos migrantes diante dessa realidade tão dura, com uma rotina tão pesada de trabalho, dando a eles informação para que tenham melhoras nas suas condições de vida”, afirma Soledad.
O projeto “Promovendo Melhoria das Condições de Trabalho e Gestão nas Oficinas de Costura do Estado de São Paulo” atua na promoção da sensibilização sobre direitos e o empoderamento de populações vulneráveis que trabalham em oficinas de costura, promove a conscientização sobre riscos e treinamento de gestão para donos de oficinas de costura (especialmente em micro, pequenas e médias empresas) e reforça a capacidade de instituições nos níveis federal, estadual e municipal para a articulação e implementação de políticas para a melhoria das condições de trabalho nesses locais, com especial atenção a trabalhadores e trabalhadoras migrantes.