Cientistas estudam poliamida para que o material seja capaz de gerar eletricidade
18/11/2020
A piezoeletricidade descreve o fenômeno em que a energia mecânica é transformada em energia elétrica, ou seja, quando se toca ou distorce um material piezoelétrico, este gera uma carga que, se tiver um circuito associado, pode ser conduzida, armazenada e usada posteriormente para, por exemplo, carregar o smartfone.
Tendo isso em conta, ao usar uma peça de vestuário piezoelétrica, como uma camisa, até um movimento simples como balançar os braços pode causar distorções suficientes nas fibras para gerar eletricidade.
“A procura por têxteis eletrônicos e inteligentes tem vindo a crescer, devido à viabilidade comercial e ao interesse dos consumidores. Contudo, a indústria têxtil enfrenta, atualmente, o desafio de encontrar fibras de materiais eletrônicos baratos e prontamente disponíveis que sejam adequadas às roupas modernas”, explica Paulo Rocha, pesquisador do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra.
Os materiais piezoelétricos “são amplamente usados em aplicações de sensores e estão entre os candidatos viáveis para a captação de energia de vibrações mecânicas, como o movimento corporal. Em média, o nosso corpo produz cerca de 100 watts. Então por que não usar esta fonte de energia?”, questiona o cientista.
Contudo, indica Kamal Asadi, investigador do Instituto Max-Planck, na Alemanha, e professor da Universidade de Bath, no Reino Unido, que liderou o estudo, recentemente publicado na Advanced Functional Materials, “a maior parte dos materiais piezoelétricos são cerâmicos e contêm chumbo, o que é tóxico e torna a sua integração em wearables ou vestuário difícil”.
As propriedades piezoelétricas da poliamida – uma fibra amplamente usada na indústria – são conhecidas desde os anos 80 e o fato de não ter chumbo nem ser tóxica tornaram a matéria-prima particularmente atrativa para este tipo de aplicação. Mas, salienta Asadi, a poliamida “é um material muito difícil de trabalhar”, pelo que “o desafio é preparar fibras de poliamida que retenham as suas propriedades piezoelétricas”.
Crédito de imagem: Max Planck Institute/divulgação
Desafio superado
Na sua forma de polímero em bruto, refere um comunicado do Instituto Max-Planck, a poliamida é um pó branco que pode ser misturado com outros materiais e dar origem a uma série de produtos, desde vestuário às cerdas das escovas de dentes, componentes automóveis ou embalagens para alimentos. Só quando a poliamida é reduzida a uma estrutura cristalina particular é que se torna piezoelétrica. O método convencionado para criar estes cristais de poliamida é derreter, arrefecer rapidamente e depois estirar a poliamida. Contudo, este processo resulta em filmes espessos que são piezoelétricos mas não são adequados para serem usados em vestuário.
Os pesquisadores resolveram, por isso, ter uma abordagem completamente diferente para produzir poliamida piezoelétrica em filmes finos. Dissolveram o pó de poliamida num solvente em vez de o derreter, mas isso fez com que o filme final contivesse moléculas de solvente presas no interior, impedindo a fase piezoelétrica.
“Tínhamos de encontrar uma forma de remover o ácido para tornar a poliamida usável”, aponta Kamal Asadi. Descobriram então que, ao misturar a solução ácida com acetona, conseguiam dissolver a poliamida e depois extrair, de forma eficiente, o ácido, deixando o filme de poliamida numa fase piezoelétrica. “A acetona cria uma ligação forte às moléculas ácidas, por isso, quando a acetona evapora da solução de poliamida, leva o ácido. O que fica é a poliamida na sua fase cristalina piezoelétrica. O próximo passo é transformar a poliamida em fios e depois integrá-los no vestuário”, resume Asadi.
Este será, por isso, um avanço significativo na indústria, uma vez que a poliamida piezoelétrica poderá ser usada na produção de têxteis eletrônicos e wearables. “No futuro, poderemos usar as nossas t-shirts para alimentar um dispositivo, como o nosso celular, enquanto caminhamos no bosque ou para monitorizar a nossa saúde”, antecipa Kamal Asadi.
*Com informações do Portugal Têxtil